terça-feira, 19 de setembro de 2017

Algumas mulheres estão tomando a decisão de deixar o emprego com o objetivo de cuidar das crianças  

As mulheres marcaram posição no mercado de trabalho nos últimos anos e, hoje, correspondem a 46% da população ocupada no Brasil, de acordo com dados parciais de 2013 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para algumas, porém, conciliar o trabalho e a maternidade deixou de ser uma opção, pelo menos na fase inicial de formação das crianças, em que a presença da mãe é tão importante. Elas tomaram a difícil decisão de voltar para casa e se dedicar aos filhos.

Paula Werner, 31 anos, trabalhava no Ministério da Saúde havia oito anos e decidiu deixar o emprego para cuidar das duas filhas, Júlia, de 1 ano, e Luiza, de 3. “Não estava valendo a pena passar o dia inteiro fora enquanto elas eram cuidadas por outras pessoas”, conta. As meninas passavam quase o tempo todo na creche e Paula ficava com elas por duas horas ou menos a cada dia. A mãe percebeu que era hora de mudar quando teve que olhar a agenda de uma das crianças para saber em que horário ela dormia e fazia as refeições. “Eu não sabia a rotina da minha filha”, relata.

Depois de conversar com o marido, os dois chegaram juntos à conclusão de que era preciso mudar. Nem financeiramente estava compensando ficar tanto tempo longe de casa. No total, o casal gastava quase R$ 3,7 mil por mês com a creche das meninas. Em dezembro do ano passado, quatro meses após voltar da licença-maternidade, Paula deixou o emprego. “Antes, até tive algum receio. ‘Será que é a decisão certa? Será que vou conseguir ficar em casa, sem o trabalho?’ Depois que eu saí de fato, não teve um dia em que eu me arrependesse.” O cansaço não diminuiu, pelo contrário, cuidar da casa e das duas crianças deixa Paula mais exausta do que quando estava no escritório, mas a felicidade das duas compensa o esforço. Antes, Luiza reclamava de ficar tanto tempo na escola, o que não acontece mais.

Escolha


Ao perceber que casos como o de Paula se tornavam cada vez mais frequentes nas escolas em que trabalhava, a psicóloga carioca Tatiana Charpinel decidiu fazer uma pesquisa sobre o assunto. Durante o mestrado em psicologia clínica na área de casal e família, ela acompanhou oito mulheres bem-sucedidas profissionalmente que decidiram deixar o emprego para cuidar dos filhos. “As mulheres, agora, têm que ser independentes, trabalhar e ter um salário, e, de repente, elas se viram muito insatisfeitas, porque trabalham na rua e continuam trabalhando em casa. O marido não fez o movimento inverso, de entrar em casa e trabalhar, ele continua na rua”, explica a especialista. Sem ninguém em casa para cuidar das tarefas domésticas e da família, a responsabilidade continua a recair sobre a mulher, que, quando pode tomar essa decisão, abandona o emprego. Foi o caso das profissionais entrevistadas por Tatiana, todas de classe média alta e que contaram com o apoio dos maridos.

Essas mulheres se mostraram felizes com a escolha, e a maioria sugeriu que voltará a trabalhar em algum momento. No entanto, a pesquisadora também constatou que elas são julgadas por estarem em casa se dedicando apenas aos filhos. Tatiana admite que essa possa ser uma volta aos valores tradicionais, mas não acredita que represente um retrocesso, e, sim, que as mulheres precisam ter consciência do que realmente querem fazer e de que, em alguns momentos, não é possível ter tudo. “Eu acho que faz parte do caminho da mulher, é um passo a mais no percurso que elas têm de fazer para descobrir o que querem, e não ficarem vivendo em função de papéis que são impostos.”
Segundo Tatiana, é mais comum as mulheres abandonarem o trabalho para cuidar de filhos pequenos, ainda na primeira infância, fase em que eles são mais frágeis, vulneráveis e precisam de um olhar amoroso. “A criança desenvolve apego a quem cuida dela, e é muito melhor que essa figura seja a mãe.” Foi isso o que incentivou a jornalista Graziella Cerveira Nunes, 35 anos, a deixar a assessoria em que trabalhava para cuidar da filha Clarice, de 1 ano e 9 meses, há cerca de um mês. Hoje, as duas ouvem música juntas, brincam, acordam sem pressa e tomam café da manhã com tranquilidade. “Desde que engravidei, queria viver ativamente a minha maternidade, não queria que, nesse momento inicial, ela passasse todo o dia na escola ou com a babá”, conta. “No ano passado, quando terminou minha licença, eu percebi, e ela também, como é difícil essa separação”, completa.

Participação em alta


Os dados do IBGE mostram que, nos últimos anos, a participação da mulher no mercado de trabalho tem aumentado. Por isso, a volta para casa com o objetivo de cuidar dos filhos não pode ser considerada uma tendência na sociedade brasileira. “Essa talvez seja uma impressão que deriva de situações de alguns grupos de pessoas em particular, mas não é uma tendência global”, explica a professora da Fundação Carlos Chagas Maria Rosa Lombardi, especialista em trabalho da mulher. “Além do mais, a mulher conseguiu atingir níveis de escolaridade altos, maiores que os dos homens. Entramos em um leque amplo de profissões e, quanto mais escolarizada, mais ativa ela é e mais ela se insere e permanece no mercado de trabalho, mesmo com filhos pequenos”, completa.

A antropóloga Mirian Goldenberg, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autora do livro Toda mulher é meio Leila Diniz (Editora BestBolso, 280 páginas, R$ 14,90), acredita que o fato de as mulheres brasileiras terem menos filhos e adiarem a maternidade torna mais fácil a volta para casa por um período para cuidar dos filhos. “Acho que aqui continua sendo prioritário esse papel para a brasileira e já é um pouco mais legítima essa volta, porque é uma escolha, não é mais uma obrigação”, destaca. Para Mirian, elas não estão abrindo mão de tudo para se dedicar à família —  nem os homens e os filhos querem ter esse peso —, essas mães estão priorizando, em um determinado momento, o papel da maternidade na vida delas. A especialista alerta, no entanto, que a volta para o mercado de trabalho pode não ser tão fácil depois, já que o momento favorável para contratações pelo qual o país passa pode não se estender até a hora em que elas decidirem retomar a carreira.

Para que a decisão de abandonar o trabalho, mesmo que temporariamente, não provoque arrependimentos, a coach de mães e mulheres Anna Marcia Gallafrio sugere um diálogo interno e também com a família. “Ficar em casa não é uma tarefa muito valorizada, talvez porque tenha sido tão difícil se colocar no mercado. É uma decisão complicada para a família e para o marido, que conta com a mulher produzindo para dividir o orçamento da casa, por exemplo.”
 

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